Sunday, October 18, 2009

O Homem Camaleão (continuação)

- Concordo senhora mas, porque não deixar para mais tarde? Neste momento o Dr. Preto Riscado aguarda-a.
- Trato dele mais tarde, agora vou fazer o que é preciso. Há um pássaro dentro de mim que anseia por voar, chegou o momento.
- Senhora, por favor!
- Rita, já esperei de mais. Vamos. Traz o meu casaco escarlate, o chapéu pastel e as luvas de pelica. Ah!  Na gaveta da minha secretária está um livro colorido com contas cintilantes, vai buscá-lo,! Não posso falhar.
- Aqui está senhora. Não quer pensar melhor?
- Rita, não insistas. Está na hora do meu passeio. Avisa o senhor de que posso chegar tarde.
- Senh...ooo..ra! Não vá. Ele voltou.
- Que se passa contigo Rita, Ele nao pode voltar. Não é mais que um louco amargurado e vazio, e eu quero apenas tocar seu corpo.
- Tudo bem senhora, agora vamos o Dr. Preto Riscado aguarda-a no salão.
- Diz-lhe que desço ja. Estou quase pronta para o encontro, preciso vestir o vestido branco de esmeraldas e os sapatos de brocado.
- Senhora, esconda-se, oiço a sirene da ambulância. Vêm buscá-la.

Thursday, September 17, 2009

O homem Camaleão (Continuação)

Mas não podia ser um sonho…. Tive a certeza de o enterrar. Vi-o morto, quedo e sem cor, deitado naquele caixão. Beijei-o uma última vez e senti a frieza da morte na sua pele.
Ele não poderia estar aqui. Não agora, não hoje. Agora que a viuvez tomara conta de mim, agora que finalmente assumira esse papel tão venerável da vida eis que surge ele do Inferno (provavelmente) para me afrontar. Para me provar que os meus planos nada valem contra a vontade de um morto.
- Rita, não quero este vestido azul. Quero o preto, o das ocasiões especiais.
- Mas senhora, o senhor não morreu.
- Morreu sim Rita.
- Mas acabei de o ver senhora.
- Não, o que viste foi a sua alma penada que veio para me infernizar.
- E o que vai fazer agora senhora?
- Vou matá-lo segunda vez.

Wednesday, September 2, 2009

Quando eu era criança...

Quando eu era criança...os pés descalços na terra molhada da manhã, na serra da estrela, fazia o meu olhar tocar o céu.
O Beijo do orvalho das rosas passava-me rente à pele na sombra fugidia da montanha.
Um dia voei e abracei o mar. Senti que a vida chegara e não a queria. Tudo era tão bom e tinha que partir...ficar longe da relva.

Wednesday, August 12, 2009

Homem camaleão ( Quem quer continuar a história?)

Amigos emocionalmente inteligentes, vamos todos continuar a história!
Aguarda-se um fim surpreendente.

O Homem Camaleão

Agora viúva, olhando-me no espelho, a cor da minha pele está de um cinzento-escuro, quase que diria roxa. A palavra viúva, só por si me causa repulsa, tal e qual a sua própria razão. Como uma fotografia mal tirada, bem escura, ultrapassada, melhor dizendo, fora de tempo, já encarnada.
Recordo o tempo em que o medo transformado em ira tornava a minha pele vermelha-escura, quase preta, na certeza de que a ironia da vida a torna tão injusta que nos impede de ver o branco das nuvens quando a surpresa navega como um barco que perdeu o rumo.
Nada mais me resta que chorar a perda e transformar o luto no vermelho, da viúva alegre e mostrar ao mundo a minha alma de baleia, que na sua grandiosidade abarca o verde do mar, repousa a alegria no amor absoluto e eterno entre o azul claro do céu e o castanho dourado do ouro.
- Que tolice, não encontro o vestido preto básico que fiz para ocasiões especiais, talvez porque esta não é uma ocasião especial. Está a chover! deve ser essa a razão. O vestido é de um singelo tecido de seda brocado de alentejoulas. Se não tenho vestido não posso ir.
- Senhora, está atrasada! Todos a esperam. Precisa de ajuda, minha senhora?
- Sim Rita, procuro aquele vestido, sabes, aquele que um dia eu vesti e parecia, quase linda. Pûs um sombreado bordeaux sob o preto e o tom camomila do meu cabelo tornou-se numa pérola cintilante que oscilou nos seus braços.
- Senhora, o seu vestido preto está aqui. Tem que se despachar.
- Mas, as minhas lágrimas vão...
-Deixe-me ajudá-la, são horas de irmos.
- E as lantejoulas?
- Este não é o vestido das lantejoulas, este é um vestido de caxemira azul turquesa que a senhora mandou fazer para esta ocasião, esperada à tanto tempo e todos a aguardam no salão. Ele também lá está.
- Ele também lá está? Então ele não...
- Não, penso que tudo não passou de um sonho...

Wednesday, June 17, 2009

Rapunzel solteira

Hoje sinto-me solteira. Não solteira de "solta", mas solteira de "só". Solteira como Rapunzel no alto da torre, cansada da espera a pensar ainda nos dias vazios à sua frente. Claro que a Rapunzel é um pouco idiota. Podia tentar fazer uma escada com os seus lencóis ou derrubar a bruxa má quando esta lhe trouxesse o almoço - não devia ser muito difícil...Depois cortava a trança e fugia pelos campos em busca do seu princípe. Se tivesse a sorte de o encontrar...mas estou a divagar.
Hoje sou solteira "só", como o número 3, ímpar. Solteira "só" de querer dar a mão a alguém na rua, comer do mesmo cone de gelado ou de ligar a alguém antes de ir dormir. E não poder. Solteira "só" de sentir ser a única em toda a cidade, em todo o país, em todo o mundo!
Por vezes também sou solteira de "solta". Solta de fazer o que quero, de sair com quem quiser, de dizer o que me apetece e de vestir as coisas mais ignóbeis sem que ninguém comente.
Mas hoje sou somente solteira e só. Solteira "só" de Rapunzel idiota...

Monday, June 15, 2009

Bem, para quebrar o gelo do nosso blog, decidi postar para ver se o resto da malta ganha coragem :). Andei para aqui a pensar o que poderia aqui pôr, e decidi-me por um dos textos que escrevemos no Workshop. Não querem pôr um também??
Aqui vai: O estímulo era: Quando eu era criança.

Quando eu era criança os pardais caíam pela chaminé da cozinha e eu gostava de os apanhar para brincar com eles às casinhas.
O meu avô dizia:
- Rapariga, o pardal é bicho de liberdade, não é brinquedo, assim que se sentir enclausurado morre.
E morreram, muitos.
Fui durante muito tempo uma assassina de pardais.
Depois enterrava-os em caixas de fósforos, no quintal da vizinha. A determinada altura o meu avô teve a ideia de pôr umas cruzinhas em fósforos usados para assinalar as campas. Foi quando o quintal começou a parecer um cemitério que eu me apercebi da monstruosidade do meu acto e chorei mais de uma hora na manga da camisa do meu avô.
Perguntei-lhe:
- 'Vô, como é que salvo os pardalinhos que me caem da chaminé?
E ele ensinou-me a pegar-lhes, de forma a conseguirem soltar-se facilmente e a mandá-los novamente para cima do telhado.
Foi assim que descobri a liberdade dos outros.

Carlota